sexta-feira, 31 de maio de 2013

Aprendi a viver em pleno vento

"Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento"

(Para atravessar contigo o deserto do mundo - Sophia de Mello Breyner Andresen)

Bem-vindo, amor


"Me faça uma ligação
Tire esse frio daqui de dentro
E quando não for assim
Mande uma mensagem pra mim

[...]

Entrego a gente a Deus
Eu digo que sim"

(Bem-vindo, amor - Cláudia Leitte)

quinta-feira, 30 de maio de 2013

De todos os cantos do mundo, aquela praia.

I

De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

II

Cheiro a terra as árvores e o vento
Que a Primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e só procuro
A selvagem exalação das ondas
Subindo para os astros como um grito puro.

(Mar - Sophia de Mello Breyner)

O que o mundo ainda não viu


"Gib mir einen Koffer für mein Herz,
der ist unendlich viel mehr wert,
wenn du ihn mitnimmst, wenn du gehst,
ihn bei dir trägst von früh bis spät,
ihn dann zurück bringst unversehrt"

(Das hat die Welt noch nicht gesehen - Söhne Mannheims)

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Um dia

"Um dia, gastos, voltaremos 
A viver livres como os animais 
E mesmo tão cansados floriremos 
Irmãos vivos do mar e dos pinhais. 

O vento levará os mil cansaços 
Dos gestos agitados irreais 
E há-de voltar aos nosso membros lassos 
A leve rapidez dos animais. 

Só então poderemos caminhar 
Através do mistério que se embala 
No verde dos pinhais na voz do mar 
E em nós germinará a sua fala." 

(Um dia - Sophia de Mello Breyner)

You let her go


"Only know you love her 
When you've let her go
And you let her go."

(Let her go - Passenger)


terça-feira, 28 de maio de 2013

Tudo é grande

"O mundo é grande e cabe 
nesta janela sobre o mar. 
O mar é grande e cabe 
na cama e no colchão de amar. 
O amor é grande e cabe 
no breve espaço de beijar."

(O Mundo é Grande - Carlos Drummond de Andrade)

You feel vulnerable around me


"When can I get it
When can I see
I step too close to your boundaries

You wanted nobody around to see
You feel vulnerable around me

Hey baby
What is love?
It was just a game
We both played and we cant get enough of"

(Mrs. Cold - Kings of Convenience)

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Em ti andam bailando os meus sentidos...

"Em atitudes e em ritmos fleumáticos, 
Erguendo as mãos em gestos recolhidos, 
Todos brocados fúlgidos, hieráticos, 
Em ti andam bailando os meus sentidos... 

E os meus olhos serenos, enigmáticos 
Meninos que na estrada andam perdidos, 
Dolorosos, tristíssimos, extáticos, 
São letras de poemas nunca lidos... 

As magnólias abertas dos meus dedos 
São mistérios, são filtros, são enredos 
Que pecados d´amor trazem de rastros... 

E a minha boca, a rútila manhã, 
Na Via Láctea, lírica, pagã, 
A rir desfolha as pétalas dos astros!.."

(O Meu Soneto - Florbela Espanca, in A Mensageira das Violetas)

Só uma menina


"Ela é só uma menina
E eu deixando que ela faça
O que bem quiser de mim"

(Romance Ideal - Paralamas do Sucesso e Los Hermanos)

domingo, 26 de maio de 2013

Os meus livros

"Os meus livros (que não sabem que existo) 
São uma parte de mim, como este rosto 
De têmporas e olhos já cinzentos 
Que em vão vou procurando nos espelhos 
E que percorro com a minha mão côncava. 
Não sem alguma lógica amargura 
Entendo que as palavras essenciais, 
As que me exprimem, estarão nessas folhas 
Que não sabem quem sou, não nas que escrevo. 
Mais vale assim. As vozes desses mortos 
Dir-me-ão para sempre." 

(Jorge Luis Borges, in A Rosa Profunda)

You only live once


"Why not try it all?
If you'll only remember it once."

(I'll try anything once - The Strokes)

sábado, 25 de maio de 2013

Ratifico

"não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino"

(Leminski)

Desapego corretamente (ou incorretamente?)


"Não me ame tanto
Eu tenho algum problema com amor demais
Eu jogo tudo no lixo"

(Não me ame tanto - Karina Buhr)

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Recife. Ponte Buarque de Macedo.

"Recife. Ponte Buarque de Macedo.
Eu, indo em direção à casa do Agra,
Assombrado com a minha sombra magra,
Pensava no Destino, e tinha medo!

Na austera abóbada alta o fósforo alvo
Das estrelas luzia… O calçamento
Sáxeo, de asfalto rijo, atro e vidrento,
Copiava a polidez de um crânio calvo.

Lembro-me bem. A ponte era comprida,
E a minha sombra enorme enchia a ponte,
Como uma pele de rinoceronte
Estendida por toda a minha vida!

A noite fecundava o ovo dos vícios
Animais. Do carvão da treva imensa
Caía um ar danado de doença
Sobre a cara geral dos edifícios!

Tal uma horda feroz de cães famintos,
Atravessando uma estação deserta,
Uivava dentro do eu, com a boca aberta,
A matilha espantada dos instintos!

Era como se, na alma da cidade,
Profundamente lúbrica e revolta,
Mostrando as carnes, uma besta solta
Soltasse o berro da animalidade.

E aprofundando o raciocínio obscuro,
Eu vi, então, à luz de áureos reflexos,
O trabalho genésico dos sexos,
Fazendo à noite os homens do Futuro."

(Augusto dos Anjos, in As Cismas do Destino)

Deixa eu tocar sua alma


"Isso do medo se acalma
Isso de sede se aplaca
Todo pesar não existe"

(Alma - Zélia Duncan)

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Fado Português

"O Fado nasceu um dia, 
quando o vento mal bulia 
e o céu o mar prolongava, 
na amurada dum veleiro, 
no peito dum marinheiro 
que, estando triste, cantava, 
que, estando triste, cantava. 

Ai, que lindeza tamanha, 
meu chão , meu monte, meu vale, 
de folhas, flores, frutas de oiro, 
vê se vês terras de Espanha, 
areias de Portugal, 
olhar ceguinho de choro. 

Na boca dum marinheiro 
do frágil barco veleiro, 
morrendo a canção magoada, 
diz o pungir dos desejos 
do lábio a queimar de beijos 
que beija o ar, e mais nada, 
que beija o ar, e mais nada. 

Mãe, adeus. Adeus, Maria. 
Guarda bem no teu sentido 
que aqui te faço uma jura: 
que ou te levo à sacristia, 
ou foi Deus que foi servido 
dar-me no mar sepultura. 

Ora eis que embora outro dia, 
quando o vento nem bulia 
e o céu o mar prolongava, 
à proa de outro velero 
velava outro marinheiro 
que, estando triste, cantava, 
que, estando triste, cantava." 

(José Régio, in Poemas de Deus e do Diabo)

E a coisa mais divina que há no mundo...



"Tomara
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho

[...]

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais"

(Tomara - Vinícius de Moraes)

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Tortura

"Tirar dentro do peito a Emoção, 
A lúcida Verdade, o Sentimento! 
– E ser, depois de vir do coração, 
Um punhado de cinza esparso ao vento! ... 

Sonhar um verso de alto pensamento, 
E puro como um ritmo de oração! 
– E ser, depois de vir do coração, 
O pó, o nada, o sonho dum momento ... 

São assim ocos, rudes, os meus versos: 
Rimas perdidas, vendavais dispersos, 
Com que eu iludo os outros, com que minto! 

Quem me dera encontrar o verso puro, 
O verso altivo e forte, estranho e duro, 
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!" 

(Florbela Espanca, in Livro de Mágoas)

Era só isso que eu queria da vida...



"Era só isso
Que eu queria da vida
Uma cerveja
Uma ilusão atrevida
Que me dissesse
Uma verdade chinesa
Com uma intenção
De um beijo doce na boca

[...]

Mas o que é
Vida afinal?
Será que é fazer
O que o mestre mandou?"

(Verdade Chinesa - Diogo Nogueira)

terça-feira, 21 de maio de 2013

Daqueles dias

"Vi uma estrela tão alta, 
Vi uma estrela tão fria! 
Vi uma estrela luzindo 
Na minha vida vazia. 

Era uma estrela tão alta! 
Era uma estrela tão fria! 
Era uma estrela sozinha 
Luzindo no fim do dia. 

Por que da sua distância 
Para a minha companhia 
Não baixava aquela estrela? 
Por que tão alto luzia? 

E ouvi-a na sombra funda 
Responder que assim fazia 
Para dar uma esperança 
Mais triste ao fim do meu dia."

(A Estrela - Manuel Bandeira)

She dreams in color


"She lies and says
She's in love with him"

(Betterman - Pearl Jam)

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Língua Portuguesa

"Última flor do Lácio, inculta e bela, 
És, a um tempo, esplendor e sepultura: 
Ouro nativo, que na ganga impura 
A bruta mina entre os cascalhos vela 
Amo-se assim, desconhecida e obscura 
Tuba de algo clangor, lira singela, 
Que tens o trom e o silvo da procela, 
E o arrolo da saudade e da ternura! 
Amo o teu viço agreste e o teu aroma 
De virgens selvas e de oceano largo! 
Amo-te, ó rude e doloroso idioma, 
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!", 
E em que Camões chorou, no exílio amargo, 
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!"

(Olavo Bilac, in Poesias)

Eu não sou daqui, marinheiro


"Filho de sol poente
Quando pensa em passear
Desce de sal nos olhos
Doente da falta que sente do mar"

(Despedida - Marcelo Camelo)

domingo, 19 de maio de 2013

Tenho tanto sentimento

"Tenho tanto sentimento 
Que é frequente persuadir-me 
De que sou sentimental, 
Mas reconheço, ao medir-me, 
Que tudo isso é pensamento, 
Que não senti afinal. 

Temos, todos que vivemos, 
Uma vida que é vivida 
E outra vida que é pensada, 
E a única vida que temos 
É essa que é dividida 
Entre a verdadeira e a errada. 

Qual porém é a verdadeira 
E qual errada, ninguém 
Nos saberá explicar; 
E vivemos de maneira 
Que a vida que a gente tem 
É a que tem que pensar."

(Fernando Pessoa, in Cancioneiro)

O que fica em cada um...


"Vou mostrando como sou
E vou sendo como posso,
Jogando meu corpo no mundo,
Andando por todos os cantos
E pela lei natural dos encontros
Eu deixo e recebo um tanto"

(Mistério do Planeta - Novos Baianos)

sábado, 18 de maio de 2013

Ver no purgatório um paraíso

"Ser doido-alegre, que maior ventura! 
Morrer vivendo p'ra além da verdade. 
É tão feliz quem goza tal loucura 
Que nem na morte crê, que felicidade! 

Encara, rindo, a vida que o tortura, 
Sem ver na esmola, a falsa caridade, 
Que bem no fundo é só vaidade pura, 
Se acaso houver pureza na vaidade. 

Já que não tenho, tal como preciso, 
A felicidade que esse doido tem 
De ver no purgatório um paraíso... 

Direi, ao contemplar o seu sorriso, 
Ai quem me dera ser doido também 
P'ra suportar melhor quem tem juízo."

(António Fernandes Aleixo, in Este Livro que Vos Deixo...)

Onde você for...


"Tudo normal
Eu te quero, espero
E deixo os meus segredos
E faço nosso, o meu e o seu lugar"

(Pretinha - Marcelo Camelo)

sexta-feira, 17 de maio de 2013

É amor se esvaindo ou nos tornamos fonte?

"Sob o chuveiro amar, sabão e beijos,
ou na banheira amar, de água vestidos,
amor escorregante, foge, prende-se,
torna a fugir, água nos olhos, bocas,
dança, navegação, mergulho, chuva,
essa espuma nos ventres, a brancura
triangular do sexo — é água, esperma,
é amor se esvaindo, ou nos tornamos fonte?"

(Carlos Drummond de Andrade, in O Amor Natural)

Eu vivo agora


"Se a vida não demora
Que eu viva tudo agora
De tudo eu quero um pouco
Que eu seu seja muito louco
Pra mim não tem mistério
Não levo nada a sério
Não visto paletó nem gravata"

(Nem paletó, nem gravata - Marcos Valle)


quinta-feira, 16 de maio de 2013

Em todo começo reside um encanto próprio

"Assim como toda flor perde o viço e como toda juventude 
Cede à idade, floresce cada degrau da vida, 
Floresce toda sabedoria também e toda virtude 
A seu tempo, e não pode durar para sempre. 
O coração deve, em cada chamado da vida, 
Estar pronto para a despedida e para o recomeço,
Para se dar, na valentia e sem qualquer
Luto, a outras novas ligações.
E em todo começo reside um encanto próprio
Que nos protege e nos ajuda a viver.

Transponhamos serenos espaço a espaço
E a nenhum nos prendamos qual a uma pátria.
O espírito do mundo não quer nos atar nem comprimir,
Ele quer elevar-nos degrau a degrau, alastrar-nos.
Mal nos habituamos a ser íntimos
De um ambiente, ameaça o relaxar-se.
Só quem está pronto para partir e viajar
Poderá eludir o hábito paralisante.

Acaso a hora da morte ainda nos envie
Ao encontro de novos espaços,
Jamais há de cessar o clamor da vida por nós...
Eia, pois, coração, despede-te e convalesce!"

(Degraus - Hermann Hesse)

Tradução de Afrânio Novaes para o seu Transtrazendo

Hoje eu acordei livre


"Já vivi tanta coisa
Tenho tantas pra viver
Tô no meio da estrada
E nenhuma derrota vai me vencer"

(Ilex Paraguariensis - Engenheiros do Havaí)

Dedicado à Ana Beatriz Melo, amiga querida e aniversariante do dia. Parabéns, Bibia!

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Pressa pra quê?

"Não tenho pressa. Pressa de quê? 
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos. 
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas, 
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra. 
Não; não sei ter pressa. 
Se estendo o braço, chego exatamente aonde o meu braço chega - 
Nem um centímetro mais longe. 
Toco só onde toco, não onde penso. 
Só me posso sentar onde estou. 
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras, 
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa, 
E vivemos vadios da nossa realidade. 
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui." 

(Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, in Poemas Inconjuntos)

Ai que saudade de ocê!


"Se um dia ocê se lembrar
Escreva uma carta pra mim
Bote logo no correio
Com frases dizendo assim:
'Faz tempo que eu não te vejo
Quero matar meu desejo
Te mando um monte de beijo
Ai que saudade sem fim'"

(Ai que saudade de ocê - Elba Ramalho, Alceu Valença e Zé Ramalho)

terça-feira, 14 de maio de 2013

As duas luas de Ismália

"Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar… 
Viu uma lua no céu, 
Viu outra lua no mar. 

No sonho em que se perdeu, 
Banhou-se toda em luar… 
Queria subir ao céu, 
Queria descer ao mar… 

E, no desvario seu, 
Na torre pôs-se a cantar… 
Estava perto do céu, 
Estava longe do mar… 

E como um anjo pendeu 
As asas para voar… 
Queria a lua do céu, 
Queria a lua do mar… 

As asas que Deus lhe deu 
Ruflaram de par em par… 
Sua alma subiu ao céu, 
Seu corpo desceu ao mar…" 

(Ismália - Alphonsus de Guimaraens)

Cantado por Inezita Barroso aqui e por Plêiade aqui.

Uma ilusão



"E ela se foi
Porque eu a deixei
Por que eu a deixei?
Não sei"

(Ilusión - Julieta Venegas e Marisa Monte)

Mais uma dica boa do Afraninho.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Em volta de que ideia gravitais?

"Junto do mar, que erguia gravemente 
A trágica voz rouca, enquanto o vento 
Passava como o vôo do pensamento 
Que busca e hesita, inquieto e intermitente, 

Junto do mar sentei-me tristemente, 
Olhando o céu pesado e nevoento, 
E interroguei, cismando, esse lamento 
Que saía das coisas, vagamente... 

Que inquieto desejo vos tortura, 
Seres elementares, força obscura? 
Em volta de que ideia gravitais? 

Mas na imensa extensão, onde se esconde 
O Inconsciente imortal, só me responde 
Um bramido, um queixume, e nada mais... "

(Oceano Nox - Antero de Quental)

A tua cafuza não pode esperar...


"Deixa a tristeza pra lá
Vem comer, me jantar
Sarapatel, caruru, tucupi, tacacá
Vê se me usa, me abusa, lambuza
Que a tua cafuza
Não pode esperar"

(Não existe pecado ao sul do Equador - Chico Buarque)

Cada alma é uma escada para Deus

"Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir. 
Sentir tudo de todas as maneiras. 
Sentir tudo excessivamente, 
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas 
E toda a realidade é um excesso, uma violência, 
Uma alucinação extraordinariamente nítida 
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas, 
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas 
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos. 

Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas, 
Quanto mais personalidade eu tiver, 
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver, 
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas, 
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento, 
Estiver, sentir, viver, for, 
Mais possuirei a existência total do universo, 
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora. 
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for, 
Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo, 
E fora d'Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco. 

Cada alma é uma escada para Deus, 
Cada alma é um corredor-Universo para Deus, 
Cada alma é um rio correndo por margens de Externo 
Para Deus e em Deus com um sussurro soturno. 

Sursum corda! Erguei as almas! Toda a Matéria é Espírito, 

Porque Matéria e Espírito são apenas nomes confusos 
Dados à grande sombra que ensopa o Exterior em sonho 
E funde em Noite e Mistério o Universo Excessivo! 
Sursum corda! Na noite acordo, o silêncio é grande, 
As coisas, de braços cruzados sobre o peito, reparam 

Com uma tristeza nobre para os meus olhos abertos 
Que as vê como vagos vultos noturnos na noite negra. 
Sursum corda! Acordo na noite e sinto-me diverso. 
Todo o Mundo com a sua forma visível do costume 
Jaz no fundo dum poço e faz um ruído confuso, 

Escuto-o, e no meu coração um grande pasmo soluça. 

Sursum corda! ó Terra, jardim suspenso, berço 
Que embala a Alma dispersa da humanidade sucessiva! 
Mãe verde e florida todos os anos recente, 
Todos os anos vernal, estival, outonal, hiemal, 
Todos os anos celebrando às mancheias as festas de Adônis 
Num rito anterior a todas as significações, 
Num grande culto em tumulto pelas montanhas e os vales! 
Grande coração pulsando no peito nu dos vulcões, 
Grande voz acordando em cataratas e mares, 
Grande bacante ébria do Movimento e da Mudança, 
Em cio de vegetação e florescência rompendo 
Teu próprio corpo de terra e rochas, teu corpo submisso 
A tua própria vontade transtornadora e eterna! 
Mãe carinhosa e unânime dos ventos, dos mares, dos prados, 
Vertiginosa mãe dos vendavais e ciclones, 
Mãe caprichosa que faz vegetar e secar, 
Que perturba as próprias estações e confunde 
Num beijo imaterial os sóis e as chuvas e os ventos! 

Sursum corda! Reparo para ti e todo eu sou um hino! 
Tudo em mim como um satélite da tua dinâmica intima 
Volteia serpenteando, ficando como um anel 
Nevoento, de sensações reminescidas e vagas, 
Em torno ao teu vulto interno, túrgido e fervoroso. 
Ocupa de toda a tua força e de todo o teu poder quente 
Meu coração a ti aberto! 
Como uma espada traspassando meu ser erguido e extático, 
Intersecciona com meu sangue, com a minha pele e os meus nervos, 
Teu movimento contínuo, contíguo a ti própria sempre, 

Sou um monte confuso de forças cheias de infinito 
Tendendo em todas as direções para todos os lados do espaço, 
A Vida, essa coisa enorme, é que prende tudo e tudo une 
E faz com que todas as forças que raivam dentro de mim 
Não passem de mim, nem quebrem meu ser, não partam meu corpo, 
Não me arremessem, como uma bomba de Espírito que estoira 
Em sangue e carne e alma espiritualizados para entre as estrelas, 
Para além dos sóis de outros sistemas e dos astros remotos. 

Tudo o que há dentro de mim tende a voltar a ser tudo. 
Tudo o que há dentro de mim tende a despejar-me no chão, 
No vasto chão supremo que não está em cima nem embaixo 
Mas sob as estrelas e os sóis, sob as almas e os corpos 
Por uma oblíqua posse dos nossos sentidos intelectuais. 

Sou uma chama ascendendo, mas ascendo para baixo e para cima, 
Ascendo para todos os lados ao mesmo tempo, sou um globo 
De chamas explosivas buscando Deus e queimando 
A crosta dos meus sentidos, o muro da minha lógica, 
A minha inteligência limitadora e gelada. 

Sou uma grande máquina movida por grandes correias 
De que só vejo a parte que pega nos meus tambores, 
O resto vai para além dos astros, passa para além dos sóis, 
E nunca parece chegar ao tambor donde parte... 

Meu corpo é um centro dum volante estupendo e infinito 
Em marcha sempre vertiginosamente em torno de si, 
Cruzando-se em todas as direções com outros volantes, 
Que se entrepenetram e misturam, porque isto não é no espaço 
Mas não sei onde espacial de uma outra maneira-Deus. 

Dentro de mim estão presos e atados ao chão 
Todos os movimentos que compõem o universo, 
A fúria minuciosa e dos átomos, 
A fúria de todas as chamas, a raiva de todos os ventos, 
A espuma furiosa de todos os rios, que se precipitam, 

A chuva com pedras atiradas de catapultas 
De enormes exércitos de anões escondidos no céu. 

Sou um formidável dinamismo obrigado ao equilíbrio 
De estar dentro do meu corpo, de não transbordar da minh'alma. 
Ruge, estoira, vence, quebra, estrondeia, sacode, 
Freme, treme, espuma, venta, viola, explode, 
Perde-te, transcende-te, circunda-te, vive-te, rompe e foge, 
Sê com todo o meu corpo todo o universo e a vida, 
Arde com todo o meu ser todos os lumes e luzes, 
Risca com toda a minha alma todos os relâmpagos e fogos, 
Sobrevive-me em minha vida em todas as direções!"

(Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, in Poemas)

It's worth it to me



"And it's worth it to me
To skate around the bad times
And all the little feelings
Get tucked away at bed times"

(Mane - Conveyor)

Vozes veladas, veludosas vozes

"Ah! plangentes violões dormentes, mornos, 
Soluços ao luar, choros ao vento... 
Tristes perfis, os mais vagos contornos, 
Bocas murmurejantes de lamento. 

Noites de além, remotas, que eu recordo, 
Noites da solidão, noites remotas 
Que nos azuis da fantasia bordo, 
Vou constelando de visões ignotas. 

Sutis palpitações à luz da lua. 
Anseio dos momentos mais saudosos, 
Quando lá choram na deserta rua 
As cordas vivas dos violões chorosos. 

Quando os sons dos violões vão soluçando, 
Quando os sons dos violões nas cordas gemem, 
E vão dilacerando e deliciando, 
Rasgando as almas que nas sombras tremem. 

Harmonias que pungem, que laceram, 
Dedos nervosos e ágeis que percorrem 
Cordas e um mundo de dolências geram, 
Gemidos, prantos, que no espaço morrem... 

E sons soturnos, suspiradas mágoas, 
Mágoas amargas e melancolias, 
No sussurro monótono das águas, 
Noturnamente, entre remagens frias. 

Vozes veladas, veludosas vozes, 
Volúpias dos violões, vozes veladas, 
Vagam nos velhos vórtices velozes 
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas. 
Tudo nas cordas dos violões ecoa 
E vibra e se contorce no ar, convulso... 
Tudo na noite, tudo clama e voa 
Sob a febril agitação de um pulso. 

Que esses violões nevoentos e tristonhos 
São ilhas de degredo atroz, funéreo, 
Para onde vão, fatigadas no sonho, 
Almas que se abismaram no mistério."

(Violões que Choram - Cruz e Sousa)