domingo, 30 de junho de 2013

Nenhuma claridade me alumia

"Vou perdido entre a gente. Não me guia
nenhum braço ou lanterna no caminho
onde a noite pousou ao sol do dia.

Para tamanha dor, ando sozinho.
Nenhuma claridade me alumia.
Nenhuma medicina cura a dor

que me punge e me fere, negro espinho
cravado para sempre no que resta
da vida em que vivi tamanho amor.

Uma luz se apagou após a festa
e neste escuro nem a morte assombra
o defunto que está desenterrado.

De mim mesmo me sinto despojado,
sombra errante que esconde a sua sombra
entre as sombras do chão desamparado.

Este é o fim do caminho. Nada resta.
E o próprio nada se dissolve como
a folha que apodrece na floresta."

(Fim do passeio - Lêdo Ivo, in Mormaço)

Life is too short


"You worry much about things you don't understand 
But don't give up, if it doesn't go with the plan 
Why not have some fun
While you're still young and still ok
'Cause life is short 
Do what you can today"

(We can't we - Asa)

sábado, 29 de junho de 2013

Faço barcos de papel

"Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza…
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel…
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves…
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!"

(Eu escrevi um poema triste - Mário de Quintana)

Write a song


"Take a picture you could never recreate
Write a song
Make a note"

(Trojans - Atlas Genius)

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Ciúme

"Morre a luz, abafa os ares 
Horrendo, espesso negrume, 
Apenas surge do Averno 
A negra fúria Ciúme. 

Sobre um sólio cor da noite 
Jaz dos Infernos o Nurne, 
E a seus pés tragando brasas 
A negra fúria Ciúme. 

Crespas víboras penteia, 
Dos olhos dardeja lume, 
Respira veneno e peste 
A negra fúria Ciúme. 

Arrancando à Morte a fouce 
De buído, ervado gume, 
Vem retalhar corações 
A negra fúria Ciúme. 

Ao cruel sócio de Amor 
Escapar ninguém presume, 
Porque a tudo as garras lança 
A negra fúria Ciúme. 

Todos os males do Inferno 
Em si guarda, em si resume 
O mais horrível dos monstros, 
A negra fúria Ciúme. 

Amor inda é mais suave, 
Que das rosas o perfume, 
Mas envenena-lhe as graças 
A negra fúria Ciúme. 

Nas asas de Amor voamos 
Do prazer ao áureo cume, 
Porém de lá nos arroja 
A negra fúria Ciúme. 

Do férreo cálix da Morte 
Prova o funesto azedume 
Aquele a quem ferve n'alma 
A negra fúria Ciúme. 

Do escuro seio dos fados 
Saltam males em cardume: 
O pior é o que eu sofro, 
A negra fúria Ciúme. 

Dos imutáveis destinos 
Se lê no idoso volume 
Quantos estragos tem feito 
A negra fúria Ciúme. 

Amor inda brilha menos 
Do que sutil vagalume, 
Por entre as sombras que espalha 
A negra fúria Ciúme." 

A Negra Fúria Ciúme - Bocage, in Quadras)

There will be sun, fun, love...


"And though it's nearly all these moments are just in my head
I'll be thinking 'bout them as I'm lying in bed
And I know that it nearly, that it might not even come true
But in my mind I'm having a pretty good time with you"

(5 years time - Noah and the Whale)

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Para, meu coração!

"Estou cansado da inteligência.
Pensar faz mal às emoções.
Uma grande reacção aparece.
Chora-se de repente, e todas as tias mortas fazem chá de novo
Na casa antiga da quinta velha.
Pára, meu coração!
Sossega, minha esperança factícia!
Quem me dera nunca ter sido senão o menino que fui…
Meu sono bom porque tinha simplesmente sono e não ideias que esquecer!
Meu horizonte de quintal e praia!
Meu fim antes do princípio!

Estou cansado da inteligência.
Se ao menos com ela se percebesse qualquer cousa!
Mas só percebo um cansaço no fundo, como pairam em taças
Aquelas que o vinho tem e amodorram o vinho."

(Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, in Poemas)

That day


"Do you remember
When we met?
That's the day
I knew you were my pet"

(Sea of Love - Cat Power)

quarta-feira, 26 de junho de 2013

A mão que afaga também apedreja

"Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te a lama que te espera!
O Homem que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera

Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa ainda pena a tua chaga
Apedreja essa mão vil que te afaga.
Escarra nessa boca de que beija!"

(Versos íntimos - Augusto dos Anjos)

I'm like a bird


"And though my love is rare
And though my love is true
I'm like a bird
I'll only fly away
I don't know where my soul is
I don't know where my home is"

(I'm like a bird - Nelly Furtado)

terça-feira, 25 de junho de 2013

Se eu morresse amanhã...

"Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!

Que sol! Que céu azul! Que doce n’alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã…
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!"

(Se eu morresse amanhã - Álvares de Azevedo)

Hoping you were tender in fate


"Poured myself a warm glass, and laid awake
I prayed the Lord my soul to take
I thought about you all day, yeah we have the same face
I fell asleep so confused, parts of me remind me of you
How could I ever wish away?"

(Sad dreams - Sky Ferreira)

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Não cantaremos o amor

"Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas."

(Congresso Internacional do Medo - Carlos Drummond de Andrade)

Maybe...


"Maybe if you let me be your lover
Maybe if you tried
Then I would not bother"

(Everything is embarrassing - Sky Ferreira)

domingo, 23 de junho de 2013

Os versos que aí vão...

"Os poucos versos que aí vão,
Em lugar de outros é que os ponho.
Tu que me lês, deixo ao teu sonho
Imaginar como serão.

Neles porás tua tristeza
Ou bem teu júbilo, e, talvez,
Lhes acharás, tu que me lês,
Alguma sombra de beleza…

Quem os ouviu não os amou.
Meus pobres versos comovidos!
Por isso fiquem esquecidos
Onde o mau vento os atirou."

(Versos escritos n'água - Manuel Bandeira)

I'm a war


"And it's for my heart that I'll live
cause you'll never die.
Well if you want to know me, I'm a war"

(Billie Holiday - Warpaint)

sábado, 22 de junho de 2013

Ria, Rosa

"Acaba a Alegria
Dizendo-nos: – Ria!
Velha companheira,
Boa conselheira!

Por isso me rio
De mim para mim.
Rio, rio, rio!
E digo-lhes: – Ria,
Rosa, noite e dia!
No calor, no frio,
Ria, ria! Ria,
Como lhe aconselha
Essa doce velha
Cheirando a alecrim,
A alegre Alegria!"

(Ria, Rosa, Ria - Manuel Bandeira, para Guimarães Rosa)

What's the matter?


"Your brown eyes are my blue skies.
They light up the river that the birds fly over.
Better not to quench your thirst.
Better not to be the first one diving in"

(Undertow - Warpaint)

sexta-feira, 21 de junho de 2013

O rio sou eu

"Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranquilas."

(O Rio - Manuel Bandeira)

Desperdiçamos os blues do Djavan


"Não me queixo
Eu não soube te amar
Mas não deixo
De querer conquistar
Uma coisa
Qualquer em você
O que será?"

(Eclipse Oculto - Céu)

quinta-feira, 20 de junho de 2013

A dor com que minto

"Vaga, no azul amplo solta, 
Vai uma nuvem errando. 
O meu passado não volta. 
Não é o que estou chorando. 

O que choro é diferente. 
Entra mais na alma da alma. 
Mas como, no céu sem gente, 
A nuvem flutua calma. 

E isto lembra uma tristeza 
E a lembrança é que entristece, 
Dou à saudade a riqueza 
De emoção que a hora tece. 

Mas, em verdade, o que chora 
Na minha amarga ansiedade 
Mais alto que a nuvem mora, 
Está para além da saudade. 

Não sei o que é nem consinto 
À alma que o saiba bem. 
Visto da dor com que minto 
Dor que a minha alma tem." 

(Fernando Pessoa, in Cancioneiro)

Herz im Ausverkauf.


"Ich versteh' dich nicht,
weil du nicht dieselbe Sprache sprichst.
Alles Schall und Rauch.
Herz im Ausverkauf"

(Schall und Rauch - Tim Bendzko)

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Amor é fogo ou fumaça?

"Amor – chama, e, depois, fumaça…
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa…

Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor – chama, e, depois, fumaça…

Tanto ele queima! e, por desgraça,
Queimando o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa…

Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor – chama, e, depois, fumaça…

A cada par que a aurora enlaça,
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa…

Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linha a arder!
Amor – chama, e, depois, fumaça…

Porquanto, mal se satisfaça
(Como te poderei dizer?…),
O fumo vem, a chama passa…

A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas… tem de ser…
Amor?… – chama, e, depois, fumaça:
O fumo vem, a chama passa…"

(Chama e Fumo - Manuel Bandeira)

De ontem, de hoje, de sempre.


(Deixo aqui essas linhas breves pra você, amor
Por hoje, por ontem, por amanhã
Amém)

P.S.: Os parênteses são meus, mas a música é de Baden Powell e se chama Primeiro Amor. 

terça-feira, 18 de junho de 2013

A grandeza do homem

"Somos a grande ilha do silêncio de deus 
Chovam as estações soprem os ventos 
jamais hão-de passar das margens 
Caia mesmo uma bota cardada 
no grande reduto de deus e não conseguirá 
desvanecer a primitiva pegada 
É esta a grande humildade a pequena 
e pobre grandeza do homem"

(Ruy Belo, in quele Grande Rio Eufrates)

Tristesse


"Morning will come,
And I'll do what's right;
Just give me till then
To give up this fight.
And i will give up this fight"

(I can't make you love, por Adele)

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Crenças, religiões, amor, felicidade

"Lá vem o acendedor de lampiões de rua!
Este mesmo que vem, infatigavelmente,
Parodiar o Sol e associar-se à lua
Quando a sobra da noite enegrece o poente.

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite, aos poucos, se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.


Triste ironia atroz que o senso humano irrita:
Ele, que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade
Como este acendedor de lampiões de rua!"

(O Acendedor de Lampiões - Jorge de Lima, poeta alagoano)

Maceió ♥


"Você me deu liberdade
Pra meu destino escolher
E quando sentir saudades
Poder chorar por você"

(Alagoas - Djavan)

Eita terrinha pra eu amar! Pudera! Linda do jeito que é...

domingo, 16 de junho de 2013

O que amamos

"O que amamos está sempre longe de nós: 
e longe mesmo do que amamos - que não sabe 
de onde vem, aonde vai nosso impulso de amor. 

O que amamos está como a flor na semente, 
entendido com medo e inquietude, talvez 
só para em nossa morte estar durando sempre. 

Como as ervas do chão, como as ondas do mar, 
os acasos se vão cumprindo e vão cessando. 
Mas, sem acaso, o amor límpido e exacto jaz. 

Não necessita nada o que em si tudo ordena: 
cuja tristeza unicamente pode ser 
o equívoco do tempo, os jogos da cegueira 

com setas negras na escuridão." 

(Cecília Meireles, in Solombra)

Flores de plástico não morrem


"A dor vai curar essas lástimas
O soro tem gosto de lágrimas
As flores têm cheiro de morte
A dor vai fechar esses cortes"

(Flores - Titãs e Marisa Monte)

sábado, 15 de junho de 2013

Minha vida está completa

"Eu canto porque o instante existe 
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias, 
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico, 
se permaneço ou me desfaço, 
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada."

(Motivo - Cecília Meirelles)

Alguém com o seu carinho



"Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei, nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via o infinito
Sem presente, passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim"

(Poema - Ney Matogrosso)

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Lembranças

"Minha esperança perdeu seu nome... 
Fechei meu sonho, para chamá-la. 
A tristeza transfigurou-me 
como o luar que entra numa sala. 

O último passo do destino 
parará sem forma funesta, 
e a noite oscilará como um dourado sino 
derramando flores de festa. 

Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando 
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes. 
E um campo de estrelas irá brotando 
atrás das lembranças ardentes."

(Atitude - Cecília Meireles, in Viagem)

If you close your eyes...


"But if you close your eyes, 
Does it almost feel like 
Nothing changed at all?"

(Pompeii - Bastille)

Mais uma das (sempre boas) indicações de Afraninho, cujo Transtrazendo também está no facebook agora (é só clicar aqui e curtir). ;)


quinta-feira, 13 de junho de 2013

O limiar do meu ser

"Grandes mistérios habitam 
O limiar do meu ser, 
O limiar onde hesitam 
Grandes pássaros que fitam 
Meu transpor tardo de os ver. 

São aves cheias de abismo, 
Como nos sonhos as há. 
Hesito se sondo e cismo, 
E à minha alma é cataclismo 
O limiar onde está. 

Então desperto do sonho 
E sou alegre da luz, 
Inda que em dia tristonho; 
Porque o limiar é medonho 
E todo passo é uma cruz." 

(Fernando Pessoa, in Cancioneiro)

Parabéns pelos 125 anos que você faria hoje, Fernando.

I always will


"I know that the musics fine
Like sparklin' wine, go and have your fun
Laugh and sing, but while we're apart
Don't give your heart to anyone
And don't forget who's takin' you home
And in whose arms you're gonna be
So darling... save the last dance for me"

(Save the last dance for me - Michael Bublé)

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Inside

"Ténue é o cais 
no Inverno frio. 
Ténue é o voo 
do pássaro cinzento. 
Ténue é o sono 
que adormece o navio. 
No vago cais 
do balouço da bruma 
ténue é a estrela 
que um peixe morde. 
Ténue é o porto 
nos olhos do casario. 
Mas o que em fora nos dilui 
faz-nos exactos por dentro." 

(Cais - Fernando Namora, in Marketing)

Come dance with me


"Everybody want safety (safety love)
Everybody want comfort (comfort love)
Everybody want certain (certain love)
Everybody but me

I’m a man on fire
Walking down your street
With one guitar
And two dancing feet
Only one desire
That’s left in me
I want the whole damn world
To come and dance with me"

(Man on Fire - Edward Sharpe And The Magnetic Zeros)


terça-feira, 11 de junho de 2013

Redenção


Vozes do mar, das árvores, do vento! 
Quando às vezes, n'um sonho doloroso, 
Me embala o vosso canto poderoso, 
Eu julgo igual ao meu vosso tormento... 

Verbo crepuscular e íntimo alento 
Das cousas mudas; psalmo misterioso; 
Não serás tu, queixume vaporoso, 
O suspiro do mundo e o seu lamento? 

Um espírito habita a imensidade: 
Uma ânsia cruel de liberdade 
Agita e abala as formas fugitivas. 

E eu compreendo a vossa língua estranha, 
Vozes do mar, da selva, da montanha... 
Almas irmãs da minha, almas cativas! 

II 

Não choreis, ventos, árvores e mares, 
Coro antigo de vozes rumorosas, 
Das vozes primitivas, dolorosas 
Como um pranto de larvas tumulares... 

Da sombra das visões crepusculares 
Rompendo, um dia, surgireis radiosas 
D'esse sonho e essas ânsias afrontosas, 
Que exprimem vossas queixas singulares... 

Almas no limbo ainda da existência, 
Acordareis um dia na Consciência, 
E pairando, já puro pensamento, 

Vereis as Formas, filhas da Ilusão, 
Cair desfeitas, como um sonho vão... 
E acabará por fim vosso tormento. 

(Redenção - Antero de Quental, in Sonetos)

Cruel


"Bodies, can't you see what everybody wants from you?"

(Cruel - St. Vicent)

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Em Viagem

"Pelo caminho estreito, aonde a custo 
Se encontra uma só flor, ou ave, ou fonte, 
Mas só bruta aridez de áspero monte 
E os soes e a febre do areal adusto, 

Pelo caminho estreito entrei sem susto 
E sem susto encarei, vendo-os defronte, 
Fantasmas que surgiam do horizonte 
A acommeter meu coração robusto... 

Quem sois vós, peregrinos singulares? 
Dor, Tédio, Desenganos e Pesares... 
Atraz d'eles a Morte espreita ainda... 

Conheço-vos. Meus guias derradeiros 
Sereis vós. Silenciosos companheiros, 
Bemvindos, pois, e tu, Morte, bemvinda!" 

(Em Viagem - Antero de Quental, in Sonetos)

Let's fall in love


"Let's do it
Let's fall in love"

(Let's do it - Cole Porter)

domingo, 9 de junho de 2013

Um sossego

"Eu te peço perdão por te amar de repente 
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos 
Das horas que passei à sombra dos teus gestos 
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos 
Das noites que vivi acalentado 
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo 
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente 

E posso te dizer que o grande afeto que te deixo 
Não trai o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas 
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma... 
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias 
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta 
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o 
[olhar extático da aurora." 

(Ternura - Vinicius de Moraes, in Antologia Poética)

Só sei dançar com você


"Toda vez que eu errava, cê dizia
Pra eu me soltar, porque você me conduzia
Mesmo sem jeito, eu fui topando essa parada
E no final achei tranquilo

Só sei dançar com você
Isso é o que o amor faz"

(Só sei dançar com você - Tulipa Ruiz e Criolo)

sábado, 8 de junho de 2013

Só eu sinto bater-lhe o coração

"Dorme a vida a meu lado, mas eu velo. 
(Alguém há-de guardar este tesoiro!) 
E, como dorme, afago-lhe o cabelo, 
Que mesmo adormecido é fino e loiro. 

Só eu sinto bater-lhe o coração, 
Vejo que sonha, que sorri, que vive; 
Só eu tenho por ela esta paixão 
Como nunca hei-de ter e nunca tive. 

E logo talvez já nem reconheça 
Quem zelou esta flor do seu cansaço... 
Mas que o dia amanheça 
E cubra de poesia o seu regaço!" 

(Só eu sinto barter-lhe o coração - Miguel Torga, in Diário)

Foi bem assim mesmo


"Quando me chamou, eu vim
Quando dei por mim, tava aqui
Quando lhe achei, me perdi
Quando vi você, me apaixonei..."

(A primeira vista - Chico César)

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Intimidade

"No coração da mina mais secreta, 
No interior do fruto mais distante, 
Na vibração da nota mais discreta, 
No búzio mais convolto e ressoante, 

Na camada mais densa da pintura, 
Na veia que no corpo mais nos sonde, 
Na palavra que diga mais brandura, 
Na raiz que mais desce, mais esconde, 

No silêncio mais fundo desta pausa, 
Em que a vida se fez perenidade, 
Procuro a tua mão, decifro a causa 
De querer e não crer, final, intimidade." 

(Intimidade - José Saramago, in Os Poemas Possíveis)

Der Himmel auf Erden


"Wenn Worte meine Sprache wären
Ich hätt dir schon gesagt
In all den schönen Worten
Wie viel mir an dir lag"

(Wenn Worte meine Sprache wären - Tim Bendzko)

quinta-feira, 6 de junho de 2013

O beijo mata o desejo


"Não te beijo e tenho ensejo 
Para um beijo te roubar; 
O beijo mata o desejo 
E eu quero-te desejar.

-

Porque te amo de verdade, 
'stou louco por dar-te um beijo, 
Mas contra a tua vontade 
Não te beijo e tenho ensejo. 

Sabendo que deves ter 
Milhões deles p'ra me dar, 
Teria que enlouquecer 
Para um beijo te roubar. 

E como em teus lábios puros, 
Guardas tudo quanto almejo, 
Doutros desejos futuros 
O beijo mata o desejo. 

Roubando um, mil te daria; 
O que não posso é jurar 
Que não te aborreceria, 
E eu quero-te desejar!"    

(O beijo mata o desejo - António Aleixo, in Este Livro que Vos Deixo...)

Alô, Fevereiro!


"Todo mês de fevereiro, morena
Carnaval te espera"

(Alô, Fevereiro - Roberta Sá)

quarta-feira, 5 de junho de 2013

A zona do mar que meu peito te entregou

"Não me fizeste sofrer 
mas esperar. 

Naquelas horas 
emaranhadas, cheias 
de serpentes, 
quando 
a alma me caía e eu me afogava, 
tu vinhas-te aproximando, 
tu vinhas nua e arranhada, 
tu chegavas ensanguentada ao meu leito, 
noiva minha, 
e então 
caminhávamos toda a noite dormindo 
e, quando acordávamos, 
estavas intacta e nova, 
como se o vento grave dos sonhos 
acendesse de novo 
o fogo da tua cabeleira 
e em trigo e prata submergisse 
teu corpo até torná-lo deslumbrante. 

Eu não sofri, meu amor, 
esperava-te apenas. 
Tu precisavas de mudar de coração 
e de olhar 
depois de tocares a profunda 
zona do mar que meu peito te entregou. 
Precisavas de sair da água 
pura como uma gota erguida 
por uma onda nocturna. 

Noiva minha, tu precisaste 
de morrer e de nascer, eu esperava-te. 
Não sofri a procurar-te, 
sabia que virias, 
mas outra, com o que adoro 
da mulher que não adorava, 
com teus olhos, tuas mãos e tua boca, 
mas com outro coração, 
que amanheceu a meu lado 
como se sempre tivesse estado ali 
para continuar comigo para sempre." 

(Tu vinhas - Pablo Neruda, in Os Versos do Capitão)

Não seria eu


"Se não fossem as minhas malas cheias de memórias
Ou aquela história que faz mais de um ano
Não fossem os danos
Não seria eu"

(Capitão Gancho - Clarice Falcão)

terça-feira, 4 de junho de 2013

Que o seu perfume suavize o momento

"Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio,
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o o’bolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim – à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço."

(Lídia - Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa, in Odes)