quarta-feira, 5 de junho de 2013

A zona do mar que meu peito te entregou

"Não me fizeste sofrer 
mas esperar. 

Naquelas horas 
emaranhadas, cheias 
de serpentes, 
quando 
a alma me caía e eu me afogava, 
tu vinhas-te aproximando, 
tu vinhas nua e arranhada, 
tu chegavas ensanguentada ao meu leito, 
noiva minha, 
e então 
caminhávamos toda a noite dormindo 
e, quando acordávamos, 
estavas intacta e nova, 
como se o vento grave dos sonhos 
acendesse de novo 
o fogo da tua cabeleira 
e em trigo e prata submergisse 
teu corpo até torná-lo deslumbrante. 

Eu não sofri, meu amor, 
esperava-te apenas. 
Tu precisavas de mudar de coração 
e de olhar 
depois de tocares a profunda 
zona do mar que meu peito te entregou. 
Precisavas de sair da água 
pura como uma gota erguida 
por uma onda nocturna. 

Noiva minha, tu precisaste 
de morrer e de nascer, eu esperava-te. 
Não sofri a procurar-te, 
sabia que virias, 
mas outra, com o que adoro 
da mulher que não adorava, 
com teus olhos, tuas mãos e tua boca, 
mas com outro coração, 
que amanheceu a meu lado 
como se sempre tivesse estado ali 
para continuar comigo para sempre." 

(Tu vinhas - Pablo Neruda, in Os Versos do Capitão)

Nenhum comentário:

Postar um comentário